segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Chinelinho e Salto Alto



Em um pequeno quarto de despejo na casa de Dona Otília, viviam vários tipos de calçados antigos bem fora de uso. Alguns modelos eram abertos, outros fechados, enfim, havia uma diversidade de calçados para todas as ocasiões.
Dona Otília nem se preocupava em dar um fim a tantas quinquilharias, nem ao menos tirar a poeira, que com o tempo, os mudava de cor. Pelo descuido que Dona Otília tinha pelas prateleiras de sapatos e por tudo que havia no quartinho, ela não percebia que os objetos tinham vida própria. Quando a casa ficava vazia, os objetos conversavam entre si.
Na prateleira mais baixa, ficava alguns calçados de seu falecido marido. Ao lado, estava um par de sapatos de salto alto e um par de chinelinhos bem pequenos, que Dona Otília usou quando criança, mas ficou desbotado com o tempo.
Quando Dona Otília saía para dar uma volta, os objetos faziam a maior algazarra. As roupas conversavam entre elas e comentavam o quanto foi bom fazer belos passeios com sua dona. O mesmo acontecia com os sapatos, que, sempre que conversavam, acabavam ignorando o pequeno chinelinho...Quanto preconceito e quanta injustiça! Ele era o calçado que mais havia acompanhado Dona Otília. Iam ao parque e ainda participava das brincadeiras com as amiguinhas
Certo dia, de tanto ser ignorado por todos, Chinelinho fingiu dar um enorme espirro e começou a simular um acesso de tosse. Todos os objetos se assustaram, afinal, ele era a menor peça que vivia no quarto de despejo. Salto Alto, que vivia sempre do seu lado, imponente como sua dona, resolveu perguntar:
-Projeto de calçado, você espirra, tosse e pode falar como nós?
-Sim!- respondeu Chinelinho - Vocês é que não ligam para mim. Até parece que eu não existo!
Salto Alto percebeu que Chinelinho estava aborrecido. Com sua mania de grandeza, perguntou a Chinelinho: “Como foi sua vida há dezenas de anos atrás, quando acompanhava Dona Otília?”.
Na hora Chinelinho sentiu-se importante. Dobrou suas tirinhas com elegância para trás, deixando cair no chão um pouco de poeira, e começou a falar:
-Bem, entre todos vocês, fui eu quem mais aproveitou os momentos de diversão de Otília. Afinal, sou uma das peças mais antigas deste quarto, apesar de ser tão pequeno.
Salto Alto virou para seu lado, interessado em saber mais sobre o seu passado. Chinelinho continuou:
-Fui eu quem acompanhou a infância de Otília. Aonde ia, levavam-me em seus pequeninos pés... Otília era uma menina muito feliz! –exclamou Chinelinho.
E continuou:
-A vida de criança é uma vida encantada, cheia de magia e diversão. Do meu jeito, ali, preso aos pezinhos de Otília, me divertia muito participando de suas brincadeiras. Até que um dia seus pés cresceram... Mas Otília não quis se desfazer de mim, por isso, acompanho toda a vida de minha dona.
Salto Alto ouviu tudo na maior atenção e tentava imaginar como deveria ser bom ser chinelinho de criança. Depois de alguns segundos em silêncio, Salto Alto resolveu falar:
-Com certeza, deve ter sido uma época muito boa! A vida de criança é fantástica. No seu coraçãozinho não existe lugar para tristeza e nenhum tipo de decepção. Tudo é magia!
E começou a ficar entristecido:
-Agora, eu, este Salto Alto preto, acompanhei Dona Otília por vários lugares, uns divertidos, outros nem tanto. A última vez que Dona Otília me calçou, fomos ao funeral de seu marido. Senti de perto seu sofrimento. Foi doloroso, nunca vou me esquecer!
Chinelinho então deixou escapar uma lágrima. Ficou esquecido na prateleira por tantos anos que não deu conta do que o tempo havia passado. A vida adulta era séria e nem tudo era diversão como em seu tempo de infância.
Salto Alto, ao perceber que Chinelinho estava tão caidinho, resolveu animá-lo:
-Não fique assim Chinelinho. Eu já sou adulto e sei que na realidade a vida adulta nem sempre são flores. Mas Dona Otília está bem e vive uma vida tranquila; até hoje viaja para onde e quando quer!
Chinelinho secou as lágrimas e sorriu levemente. Depois comentou:
-Sou um chinelinho bem velhinho. Guardo comigo boas recordações de uma infância feliz!
Daí em diante, Chinelinho e Salto Alto ficaram mais unidos e sempre estavam trocando ideias. Agora, só lhes restava sentir o quanto foram importantes em diferentes épocas na vida de Dona Otília.
Tereza Tavares

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